segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Homenagem Póstuma ao Fundador da ALIFLOR

Em 31.10.2017 a Acadêmica Janice de Bittencourt Pavan - também membro e presidente  da ALIFLOR apresentou o panegírico - homenagem a Vicente Gabriele Pascale - fundador da Aliflor e Vice-Presidente da Academia Catarinense de Letras e Artes, instituição que promoveu o evento. 





PANEGÍRICO
 VICENTE GABRIELE PASCALE

Senhor Antônio Cunha,
Ddmo. Presidente da Academia Catarinense de Letras e Artes;
Caros colegas acadêmicos;
Distintos confrades e confreiras de Academias e Associações Literárias aqui                         presentes;
Caríssimos colegas da ALIFLOR;
Familiares e amigos;
Meu cordial boa noite!   

Que palavras usar para ilustrar este momento?
“Use o coração” - respondeu-me um amigo. E a resposta chegou-me ao ouvido como um acalanto. E é verdade! É assim que deve ser quando se quer homenagear alguém, um amigo como S. Vicente Gabriele Pascale, operário das palavras, amigo dos escritores, incentivador da literatura e sonhador incansável.
E é com respeito e saudade que passo a falar sobre Vicente Gabriele Pascale, nascido em 7 de novembro de 1928, na Rua Felipe Schmidt, nº. 102, na esquina com a Padre Roma, na cidade de Florianópolis, onde viveu até seus 12 anos de idade, quando se transferiu com seus pais para os ares serranos de Lages-SC.
Seu pai, Vicenzo Luigi Ignácio Pascale, nasceu em Boscotrecase, província de Nápoles, e todos seus avós paternos eram napolitanos.
Sua mãe, Aída Della Rocca Pascale, era filha de Afonso Della Rocca, nascido em Milão – Itália e de Benvinda Maria da Luz Della Rocca, de Florianópolis.
Muito feliz na infância, este sonhador encantava-se com a maravilhosa Florianópolis, emoldurada pelas águas do mar onde, no ainda existente Miramar, os turistas desembarcavam de hidroaviões e eram transportados com auxílios de lanchas da companhia aérea.
Época em que as brincadeiras como brincar de bolinha de gude, pandorga, pião, bilboquê, pescar, jogar moedas ao mar – atração turística - e até mesmo roubar uvas do bispo constituíam a alegria da criançada da época, incluindo Vichenci, assim como era chamado por seu pai. Brincadeiras que muitas vezes lhes rendiam alguns corretivos pelas traquinagens.
Foi sacristão por quatro anos, pois o respeito à Igreja e a prática da religiosidade eram sagrados.
Trabalhava com seu pai que possuía quatro bancas de mercado, ajudava na tarefa de lustrar as frutas para que ficassem limpas e brilhantes.
Mas o primeiro emprego de Vicente foi aos nove anos, de engarrafador de bebidas. E sua função era sugar a cachaça e o vinho para desentupir a máquina.  Fato curioso, pois, com um mês apenas de atividade, sentindo-se enjoado, decidiu não querer mais olhar a máquina. Voltou para casa perseguido pelo patrão enfurecido. _Por que não queres mais trabalhar? - perguntou-lhe a mãe. _ Porque estou ficando viciado e eu não quero virar um bêbado. Já demonstrava seu bom caráter e D. Aída colocou o patrão explorador de crianças para correr.
Dos doze anos aos 17, já em Lages-SC, sua mãe sentindo aperto financeiro passou a fazer empadas, pastéis e doces e Vicente saía a vendê-los. Atividade crescente que rendeu bons lucros à família e o título de melhores salgadinhos e docinhos da cidade.
Foi operador de aparelho de transmissão na Rádio Clube de Lages e balconista nas Lojas Pernambucanas.
Iniciou sua carreira na Força Aérea Brasileira em junho de 1945, com 17anos, por dez anos. Tornou-se Sargento especialista em Mecânica de Aviões e Motores da Força Aérea.
Era apaixonado por vinhos. Ao receber seus três primeiros salários em atraso, a primeira compra que fez foi cinco garrafas de vinho Chianti Rufino, recomendado por seu pai, que dizia: “Vichenci! El vino solo és bono se vá às gambas, nunca a la testa”. Foi pras pernas é bom, foi pra cabeça não presta. Tomou um porre e seu pai tinha razão: com seis copos suas pernas não seguravam seu corpo, mas a cabeça estava intacta.
Era apaixonado por músicas. Neto de maestro, pianista e teatrólogo, Afonso Della Rocca; seu pai tocava clarinete com muita sensibilidade. Sua mãe “Aída”, nome inspirado pela ópera de Verdi, era exímia pianista de músicas clássicas. Suas irmãs chamavam-se Eleonora e Gioconda.
Tornou-se admirador de Plácido Domingo, Carreras, Pavarotti, os antigos Carlo Buti, Tito Schipa, Júlio Iglesias e de brasileiros como Aguinaldo Rayol, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Emílio Santiago, Maria Betânia, Alcione e outros.
Apreciava instrumentos como o piano, a harpa, o violino e clarinete.
Apaixonado pelos tangos, boleros, rumbas e mambos, gostava de cantar e, por esta paixão, adorava dar uma palhinha cantando músicas italianas aos seus amigos.
Em 1950, aos 22 anos, casou-se com Gelcy cujo nascimento tem dois dias apenas de diferença do S. Vicente. Uma união de 66 anos. Tiveram três filhas: Beatriz, Virginia e Sandra, mais a filha adotiva Catarina. Os cinco netos Aline, Bryan, Bianca, Renata e Leonardo.
Era apaixonado por viagens. Visitou com sua esposa vários países como Egito, Grécia, França (Paris), Itália (várias cidades), Inglaterra (Londres), e outras apitais internacionais e nacionais.
Por volta de 1956 a 1973 viajava muito a Porto Alegre a negócios e se hospedava no Hotel Majestic, onde conheceu e fez amizade com Mario Quintana a quem falou de seus escritos e, pelo interesse do escritor, mostrou a ele o poema, DESERTO, recebendo muitos elogios.

Esse é o poema: DESERTO

Deserto, campo fúnebre
castigado por sol ardente
que, qual veneno de serpente
leva o andante ao sepulcro lúgubre
Nem o grão de areia te suporta
em dunas vai, de um para outro lado
desiludido sem seu abrigo ter achado
desesperado a todo lado se transporta

A natureza te criou como castigo
para entrada e saída não tens porta
A ti tornar prefiro ser mendigo

O desespero e a sede vivem contigo
Ferozes ventanias, que o coração corta
Campo fúnebre, que esquecer não consigo.

Em Lages, também fez amizade com Guido Vilmar Sassi que era funcionário do Banco do Brasil, frequentado por S. Vicente por assuntos comerciais. Em nome desta amizade e apreciador da obra, S. Vicente prestou homenagem a Guido Walmor Sassi escolhendo-o patrono na Academia Catarinense de Letras e Artes, quando mais tarde tornou-se acadêmico.
Surgiu, então, aos trinta e dois anos, seu interesse pela escrita, iniciando com a composição de acrósticos e pensamentos, sem interesse de publicá-los.
Ao conhecer, porém, as obras de Gibran Khalil Gibran, interessou-se pela escrita, surgindo assim seu primeiro livro RESCALDOS DA EXISTÊNCIA lançado em 1992, na feira do livro de Porto Alegre, quando vendeu quase seiscentos exemplares.
Neste momento permitam-me um parêntese para dizer-lhes como conheci nosso homenageado. Foi em abril de 2003, quando fui convidada pelo Colégio Adventista da Capital para conversar com os alunos. Lá encontrei seu Vicente. Conversamos muito e ele me incentivou a ingressar na ALIFLOR, Associação Literária Florianopolitana.
Suas boas maneiras e interesse pelos escritores iniciantes me chamaram a atenção; aceitei o convite; ingressei na associação e abracei com ele os objetivos da Aliflor.
Foi quando conheci melhor S. Vicente, sua família, seu caráter, seus ideais e seus projetos.
Admirava-o sobretudo pela postura gentil, pelo seu entusiasmo, pela sua dedicação apesar da idade, incansável que era, sua preocupação com a família, seus netos que exigiam cuidados especiais e sua esposa D. Gelcy.
Admirava-o porque apesar das vicissitudes da vida ele nunca reclamava de nada e num crescente bom humor adorava receber seus amigos em sua residência, buscar soluções e prestar auxílio a quem dele necessitasse.
Mas como todo poeta escreve e desabafa no mais silencioso espaço, o papel, nele deixou registrado muitas reflexões e entre elas, no livro RESCALDOS DA EXISTÊNCIA, na página 47, o soneto CONSOLO.

Deixa rolar as lágrimas por teu rosto
Que se forme um cristalino rio
Que se escoem da alma teus desgostos
E que sigam ao mar sem um desvio.

E lá se unam com mais frutos da dor
Imensidão de lágrimas já libertas
Da agonia, do destino e do amor
Da prisão que em seu rigor tão vil aperta.

E que repousem sobre leito de esperança
E que a natureza ao beijá-las em aliança
Forme um protesto contra tudo que tortura

Mas, ao mirar de teu rosto a paisagem
Não haverá nela somente tua imagem,
Verás que é tão pequena a tua amargura.

Vicente, então, não parou mais de escrever, encontrou um meio de deixar registrado seus pensamentos, sua poesia, seus conceitos sobre tudo que já havia vivido. Produziu 550 poemas, 240 pensamentos e doze livros variados, sendo dez editados, contados por ele mesmo.
Os tempos passaram, a vida o conduziu   para outro caminho, mas, sempre tinha na cabeça, “proteger os idosos”, porém sem qualquer condição de fazer essa proteção.
Em 1999, já aposentado, redigiu um Estatuto que pudesse beneficiar os idosos contendo 53 artigos, registrou no Cartório de Títulos e documentos de Yolé Luz Faria, em Florianópolis – SC, com Registro nº. 005522, no Livro A-29, às Folhas 68, em data de 13 de maio de 1.999.
Encaminhou ao Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que respondeu dizendo que o encaminhou para a Secretaria Nacional de Assistência Social pelo Ofício Presidencial DDH/GP/PR 001833 de 19-08 - 1.999, pedindo providências. A resposta da correspondência oficial solicitava ao S. Vicente que entrasse em contato com aquela Secretaria para ter informações do andamento do processo.
Alguns meses depois a Secretaria enviou a ele uma carta, ignorando a autoria dos artigos, o que rendeu contestação pois no Estatuto Oficial do Idoso havia os artigos sem, porém, conferir-lhe a autoria. O que deixou s. Vicente um tanto quanto contrariado, embora, por outro lado, orgulhoso por saber que seus artigos tinham sido inseridos na Formação do estatuto oficial do idoso.
Em 1999 criou a ACIPRI - ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DOS IDOSOS E PRÉ-IDOSOS, cujo cargo de Presidente passou para Donato Ramos, por quem é exercido até hoje.
Em 2002 lança o segundo livro: DEFINIÇÕES DE VIDA DE DUAS GERAÇÕES, escrito a quatro mãos, coautoria - sua neta Aline, filha de filha mais velha Beatriz (in memoriam).
Em 2002 - FLASHES DOS COMPONENTES DA VIDA. Cujo conteúdo ilustra trabalho, amor, paixão, saudade, vaidade, desprezo, alegria e tristeza.
Em 2003 – SE EU FOSSE DITADOR DO BRASIL POR 24 HORAS, sua ânsia de corrigir o Brasil com novas leis que beneficiariam a população em muitos sentidos.
Em 2007 – Contos – UNIVITELINOS - TIO DINHO E ELTER, O FILÓSOFO DA VIDA. 
Em 2007 - LOUVOR AO MEU CHÃO – relatos de suas viagens, recordações de sua terra e da Ilha de Santa Catarina. Em Cacupé viveu 71 anos.

Hino de Louvor a Cacupé, pag.47.

Cacupé querida
Minha doce amiga
Meu ninho de paz.

Nessa ilha imensa
De beleza pura
Tudo se mistura
Ordem e progresso
De ficar possesso
De alegria intensa.

O luar em prata
Lembra as serenatas
Que aqui tocaram
O sol com seu calor
Decanta todo o amor
Dos que aqui cantaram
E os que se doaram.

Neste mar de rosas
Onde o azul e o verde
São as nossas cores
Aqui tudo é prosa
E nada então se perde
Não temos temores.

Nesta beleza rara
Vive nosso passado
Que é por nós amado
Na nossa mente clara
Vivem em mil cores
Todos os nossos amores.

Cacupé querida
Minha doce amiga
Meu ninho de paz!

É encontro de luz
Que assim induz
A amar a natureza
Já vi paz e guerra
Mas aqui se encerra
Sonhos e beleza.

Hoje vivo sorrindo
E ao estar dormindo
para a outra vida
a alma feliz será
Certo que o além dirá
“Lá foi tua guarida”.

Seguirei contente
Pois vi o continente
Te admirar querida

O lindo pôr do sol
Formando o arrebol
adoça a nossa alma
E a visão se espalma
De um grão de areia
à uma bela sereia.

Cacupé querida
Minha doce amiga
Meu ninho de luz.

Em 2009 - MEUS DEZ ANOS NA FORÇA AÉREA BRASILEIRA – relatos de sua carreira profissional e em 2009 também VENDAVAL DE PALAVRAS – livro de pensamentos.

Em 2011 - Livro de sonetos e outros poemas  
Escreveu mais dois livretos, mas não editou, fez algumas cópias apenas para seus familiares e amigos.
Em abril de 2001 fundou a ALIFLOR- Associação Literária Florianopolitana tornando-a reconhecida de utilidade pública municipal e estadual, sem fins lucrativos, criando estatuto, registro em cartório e simbologia. Sempre comentava com orgulho e lembrava que a Flor de Lis foi inspirada no escudo dos escoteiros, organização que o reconheceu como amigo e benemérito em 2011, quando fez juramento de escoteiro, embora desde criança fosse apaixonado pela organização. Trabalhou por sete anos como presidente da Aliflor e continuou perseguindo seu sonho de criar a CASA DO POETA E DO ESCRITOR FLORIANOPOLITANO. Muito lutou para conseguir também uma sede onde pudesse guardar o acervo literário e a biblioteca da ALIFLOR.
Em 2007 recebeu o título de PRESIDENTE DE HONRA VITALÍCIO DA ALIFLOR das mãos da presidente em exercício Janice Pavan.

Ingressou na ACLA Academia Catarinense de Letras e Artes, em dezembro de 2005 ocupando a cadeira 22 e, mais tarde, tornou-se vice-presidente por cinco anos. Na ocasião era presidente Wesley Collier a quem ele sempre demonstrou admiração e respeito.
Continuou incansável buscando caminhos e possibilidades para ter a sede da academia, mas a saúde lhe deu uma rasteira e o tempo congelou seus ideais.
Sentindo-se já um tanto quanto debilitado reuniu familiares e alguns amigos no dia de seus 88 anos de idade.
Era uma despedida.
Era a última vez que o veríamos.
E como saber?
Dez dias depois deu entrada no hospital, incomunicável.
Mas ... Quis o destino que assim fosse.
No dia 17 de dezembro de 2016, morre nosso colega acadêmico, nosso amigo da Aliflor, para tornar-se imortal realmente, deixando um belo exemplo a ser seguido pela família e por quem teve o privilégio de conhecê-lo. Deus, com certeza disse: -Vem, amigo! Bem-vindo ao céu! E os anjos, por certo, executaram acordes em ritmo italiano, ritmo e repertório preferidos por Vicente Gabriele Pascale.
Descanse em paz, Amigo! Na eternidade tens toda a serenidade, todas as honrarias, todas as aquiescências que lhe foram negadas. Livre da vaidade, do egoísmo, escreverás todos os poemas, pensamentos e crônicas sem precisar da tão sonhada sede dos escritores, porque onde estás agora não precisas mais da matéria vã, apenas muita luz para compreender tua passagem aqui na terra. E, tenho certeza, és feliz, enfim. E imortal de verdade.
Hoje vivo sorrindo
E ao estar dormindo
para a outra vida
a alma feliz será
Certo que o além dirá
“Lá foi tua guarida”.

(Panegírico organizado e apresentado por Janice de Bittencourt Pavan.
Fontes fornecidas pelos livros, pelo próprio autor em entrevista concedida a Edna Domênica Merola em 2013 e por conversas que teve com Janice.)

Florianópolis, 31 de outubro de 2017.

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